As autoridades do MPLA, organização que governa Angola há 45 anos, utilizaram força “desproporcionada e desnecessária” para reprimir a dissidência, dispersar protestos e combater violações do estado de emergência decretado para o combate à Covid-19, afirma a Amnistia Internacional (AI). Desde 1975 que o MPLA estabeleceu, perante a conivente passividade da comunidade internacional, como regra de ouro usar a razão da força para combater a força da razão.
A AI que em conjunto com a organização de defesa dos direitos humanos Omunga, “documentou numerosas violações pelas forças de segurança, incluindo o assassinato de dez pessoas entre Maio e Setembro de 2020 por membros da Polícia Nacional e das Forças Armadas” do MPLA, responsáveis pela implementação das restrições, lê-se no comunicado agora divulgado.
Importa, entretanto, esclarecer que as vítimas não são angolanos, sendo antes autóctones de Angola. Ou seja, angolanos são apenas e só os que são do MPLA. Os outros são uma subespécie de pessoas que o regime enquadra como escravos.
“O que estamos a testemunhar em Angola é um ataque directo aos direitos humanos. O Estado está a utilizar as forças de segurança para silenciar as pessoas e negar-lhes os seus direitos à liberdade de expressão e de reunião pacífica”, disse o director da AI para a África Ocidental e Austral, Deprose Muchena.
Recorde-se que há três anos o Governo de Angola é dirigido pelo Presidente/General/Rei João Lourenço, impoluta figura que prometeu reformar o reino, mudando (esperava-se que para melhor) tudo o que o seu mentor, José Eduardo dos Santos, tinha feito ao longo dos seus 38 anos de ditadura.
O representante da AI acrescentou que o assassinato de angolanos que terão violado as normas para o combate à Covid-19, por parte das autoridades, é “ainda mais arrepiante”. Correcto seria dizer-se que se tratou de um, mais um, crime. Mas, apesar de tudo, “arrepiante” é um bom termo para ser usado por quem está vivo.
O director-executivo da Omunga, João Malavindele, sublinhou que as autoridades do MPLA (no uso legal das cláusulas do contrato de compra de Angola) “devem parar imediatamente o uso de força”, bem como “investigar as violações e responsabilizar os autores”.
João Malavindele sabe que pedir ao MPLA que “investigue as violações” e que “responsabilize os autores” é, de facto, como pedir aos jacarés que deixem de comer carne. Uma miragem.
“Em vez de apontar aos manifestantes, as autoridades devem criar um ambiente propício para que as pessoas se expressem. Protestos pacíficos a pedir aos líderes que façam mais não é um crime”, acrescentou Malavindele. Errado. É crime. Aliás, segundo o MPLA, até prova em contrário todos somos… culpados. Acresce que, sendo o Presidente um ser superior, o único representante de Deus em Angola (o anterior vive agora em Espanha), só ele sabe e determina o que é ou não crime, o que os escravos podem ou não fazer.
Angola tem sido palco de protestos contra um crescente descontentamento com a governação do Presidente da República (não nominalmente eleito), do Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, João Lourenço, incluindo um a 11 de Novembro, dia em que se assinalou 45 anos da compra (a Portugal) de Angola pelo MPLA.
O governo da província de Luanda, cumprindo ordens superiores recebidas do Presidente, tinha proibido a realização desta manifestação, evocando diversos motivos, um dos quais o não cumprimento do decreto presidencial sobre o estado de calamidade pública, que impedia ajuntamentos de mais de cinco pessoas nas ruas, como medida de prevenção e combate à propagação da Covid-19, e de estímulo ao MPLA-45.
A Polícia do MPLA (só se poderá dizer Polícia de Angola quando o país for um Estado de Direito) impediu a tentativa de manifestação, tendo recorrido ao uso da força (porrada), de gás lacrimogéneo e de armamento letal para dispersar os manifestantes, havendo o relato de feridos e algumas detenções.
Da mesma forma, em 24 de Outubro, um protesto que reivindicava melhores condições de vida, mais emprego e a realização das primeiras eleições autárquicas em Angola, foi frustrado pelas autoridades, resultando em 103 detenções e ferimentos de polícias e de manifestantes.
Recorde-se que, em Abril deste ano, a Amnistia Internacional afirma que a liberdade de expressão em Angola continuava a ser colocada em causa, apesar dos “sinais iniciais de progresso”. Afinal o que é que mudou, para além da propaganda e das constantes mudanças das moscas, com a governação de João Lourenço?
No relatório de 2019 sobre o estado dos direitos humanos em África, a AI refere, sobre Angola, que as forças policiais e de segurança continuaram a fazer “prisões e detenções arbitrárias”. Na verdade, em 2020, a situação alterou-se. Às “prisões e detenções arbitrárias”, o governo juntou a velha estratégia de matar primeiro e interrogar depois.
Acrescenta a AI que “muitos dos casos de prisão arbitrária, detenção, tortura e outros maus-tratos foram realizados contra manifestantes pacíficos”. Convenhamos que é tudo uma questão de interpretação. Para o regime do MPLA, manifestantes pacíficos são só os que enaltecem e bajulam João Lourenço, tal como antes faziam com José Eduardo dos Santos.
“A liberdade de expressão e a reunião pacífica continuaram ameaçadas, apesar dos sinais iniciais de progresso”, sustenta o relatório da Amnistia Internacional, numa referência à transição no poder em Angola, com a ascensão de João Lourenço a Presidente da República, sucedendo (sem ser nominalmente eleito) no final de 2017 a 38 anos de liderança de José Eduardo dos Santos, de quem foi ministro e vice-presidente (no MPLA).
“O início da presidência de João Lourenço foi impulsionado por uma atitude palpável de esperança e optimismo sobre as perspectivas de protecção dos direitos humanos no país. Sob o seu governo, Angola viu alguns desenvolvimentos positivos, incluindo vários protestos pacíficos realizados sem repressão, a absolvição de dois jornalistas acusados de difamar uma figura pública e a reversão, no Supremo Tribunal, de sentenças injustificadas por um tribunal provincial. No entanto, os desafios permaneceram”, reconhece o relatório.
Recorde-se que o Folha 8 foi dos poucos que, mais uma vez, teve razão antes do tempo e denunciou desde o início que tudo não passava de uma miragem, de cortinas de fumo, afirmando mesmo que era impossível um jacaré ser vegetariano. O jacaré que nos mostraram como sendo vegetariano era, afinal, uma réplica de… plástico.
A Amnistia Internacional assume que “os direitos à liberdade de expressão e reunião pacífica continuavam ameaçados” em Angola em 2019. Pois é… Luaty Beirão, Rafael Marques, Bonga e tantos outros que criticaram o nosso cepticismo e louvaram a jacaré vegetariano.
Folha 8 com Lusa